
Responsabilidade civil de construtores e incorporadores perante consumidores: desafios jurídicos do setor no cenário pós-covid
1. Introdução: a recuperação, pós-covid, do setor imobiliário e seus impactos no ambiente jurídico
Nos dias de hoje, é cada vez mais comum nas grandes metrópoles brasileiras se observar um movimento de acelerada expansão no número de empreendimentos imobiliários que são levantados. Esse aquecimento do mercado, especialmente no segmento residencial, reflete um cenário de crescente confiança de investidores, tanto nacionais quanto internacionais, no setor imobiliário doméstico.
Segundo dados divulgados pelo Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais do Estado de São Paulo (“Secovi/SP”) [1], o setor imobiliário brasileiro registrou nos últimos meses um crescimento exponencial no número de lançamentos de unidades imobiliárias residenciais. Apenas no Município de São Paulo, no mês de dezembro de 2024, foram lançadas um total de 13.466 unidades novas residenciais, enquanto, no acumulado do ano – ou seja, nos últimos 12 meses –, esse número atingiu a surpreendente marca de 104.431 unidades.
Esses resultados se repetem, igualmente, em todo o ambiente nacional. As tabelas abaixo, representativas do PIB do setor de construção civil e do PIB Global (a preços de mercado) do país por trimestre [2], demonstram a variação crescente observada no setor ao longo dos últimos anos, que, nos três primeiros trimestres de 2024, representou um percentual de 3,09% do PIB Global do país:


No entanto, embora essa tendência crescente represente uma relevante conquista para o setor, é importante não se negligenciar a responsabilidade civil que construtoras e incorporadoras assumem em relação as edificações perante consumidores. A integridade da estrutura edificada impacta não apenas na imagem das empresas do ramo no mercado, mas, também, na própria sustentabilidade do setor imobiliário, especialmente, em uma sociedade altamente litigiosa como a brasileira.
2. Crescente litigiosidade envolvendo o setor imobiliário brasileiro
Dados do Conselho Nacional de Justiça [3] apontam que, em 2023, no Brasil havia uma média global de 1 processo judicial para cada 2,4 habitantes. Em outras palavras, tramitavam/tramitam nos tribunais do país cerca de 84 milhões de processos, dos quais, atualmente, 2.677.769 referem-se especificamente à temática de construção civil e atividades imobiliárias [4]:

Nesse contexto, a questão da responsabilidade civil de construtoras e incorporadoras perante consumidores, no que se refere a vícios construtivos, surge como elemento que merece especial atenção. Sem a pretensão de esgotar o tema, com a indicação de seus preceitos, prazos e outros temas – o que será objeto de informativos sequenciais –, procurou-se apontar aqui, de forma resumida, os principais aspectos dessa responsabilidade.
3. A responsabilidade civil de construtores e incorporadores perante consumidores
Como é de se imaginar, a edificação de empreendimentos imobiliários compreende uma vasta e complexa rede de relacionamentos, com múltiplos atores – v.g. dono do terreno, construtor, corretor imobiliário, consumidor final, entre outros. Todos concorrem para a idealização e realização do empreendimento, guardando, a depender de sua posição, relação direta de responsabilidade com o consumidor final.
A esse respeito, a Lei n.º 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) disciplina, em seu artigo 14, que “(...) o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos”. No mesmo sentir, o Código Civil também dispõe, em seu artigo 931, que “[r]essalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação.”
Ou seja, a responsabilidade civil de construtoras e incorporadoras por eventuais vícios construtivos, em relações de consumo, sejam eles relacionados ou não à solidez e estrutura das edificações empreendidas, é de natureza objetiva, de modo que, prescinde, nessas hipóteses, a demonstração de culpa. Destarte, tanto o incorporador quanto o construtor respondem, patrimonialmente, pelos danos materiais e morais causados aos consumidores por eventuais vícios construtivos [5].
Sobre o tema, merece destaque as conclusões alcançadas pelo Ministro Raul Araújo, do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp n.º 884.367/DF [6]. Na oportunidade, destacou, em sintonia com outros julgados sobre o tema [7], que o incorporador e o construtor assumem, solidariamente, a garantia por eventuais vícios de solidez e estrutura do bem edificado, na medida em que “o consumidor, certamente espera que o incorporador cuide para que a obra seja executada, ainda que por construtor diverso, de maneira a garantir a solidez e segurança da edificação”.
Por corolário, tal posicionamento decorre não apenas das premissas protetivas do próprio Código de Defesa do Consumidor, destacadas, em especial, nos artigos 7º, parágrafo único, 12, 14, 18 e 25, §1º, da referida lei, mas, também, da sua interpretação conjunta com os artigos 31, §§ 2º e 3º, da Lei n.º 4.591/1964 (dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias), e dos artigos 618 e 942 do Código Civil, de modo a estender a ambas, construtora e incorporadora, a responsabilidade pelos vícios construtivos perante o consumidor.
4. Conclusão
Assim, a responsabilidade civil entre construtor e incorporador perante consumidores finais é um ponto crucial a ser considerado na edificação de empreendimentos imobiliários, haja vista seus possíveis impactos patrimoniais e de visibilidade.
Bibliografia
[1] Segundo pesquisa do mercado imobiliário para o mês de dezembro 2024. Disponível em: https://secovi.com.br/pesquisa-mensal-do-mercado-imobiliario/. Último acesso em 20.02.2025.
[2] Tabela elaborada a partir de dados disponibilizados pelo IBGE – Contas Nacionais Trimestrais. Informações disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/contas-nacionais/9300-contas-nacionais-trimestrais.html?=&t=resultados&utm_source=landing&utm_medium=explica&utm_campaign=pib#evolucao-taxa . Último acesso em 20.02.2025.
[3] Informações disponibilizadas no relatório “Justiça em Números 2024”. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2024/05/justica-em-numeros-2024.pdf. Último acesso em: 20.02.2025.
[4] Disponível em: https://justica-em-numeros.cnj.jus.br/painel-estatisticas/. Último acesso em: 20.02.2025.
[5] Considera-se aqui vícios construtivos eventuais rachaduras, infiltrações e desnivelamentos, além de outros, que possam comprometer a segurança da edificação.
[6] REsp n.º 884.367/DF, Rel. Min. aul Araújo, Quarta Turma, Dj. em 06.03.2012, DJe em 15.03.2012.
[7] No mesmo sentido são julgados a seguir: (i) AgRg no REsp n.º 1.006.765/ES, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, Dj. em 18.03.2014, DJe em 12.05.2014; e (ii) AgInt no AREsp n.º 1.240.516/SC, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, Dj. em 26.03.2019, DJe. em 29.03.2019.